A face intimidadora da Gestapo, a polícia política encarregada de investigar a lealdade a Hitler dos próprios agentes do Terceiro Reich, reaparece no sistema de espionagem eletrônica instalado no Senado. Não há exagero na comparação porque, em ambos os casos, há violação a direitos universais deferidos aos cidadãos.
Mas há nuances diferenciadoras. Durante a vigência do regime nazista não havia, como agora, recursos cibernéticos para a intromissão irresistível na privacidade das pessoas. Eis aí o retrato da grave decisão da Câmara Alta de usar equipamentos para rastrear até e-mails enviados e recebidos por servidores.
Finca na criação da Polícia Legislativa (PL) a raiz original da iniciativa temerária. O que deveria ser apenas serviço de segurança contra eventuais tumultos foi, aos poucos, convertido em órgão munido de competências ilegais. Hoje, além de equipado com armas letais, promove investigações, instala inquéritos e utiliza aparelhos de contraespionagem. A mobilização dos agentes inclui varrer as frequências emitidas nas dependências do Congresso em busca de escutas. Vai mais longe o arrasto no ciberespaço: o Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado (Prodasen) deve fornecer informações à PL sobre navegação de internautas na rede mundial.
Só por excesso de desapreço à ordem constitucional poder-se-ia conceder prerrogativas típicas de órgão de segurança do Estado a ente que nem sequer deveria ser designado de polícia. Ordena o artigo 5º, XII, que a ruptura do sigilo das comunicações depende de ordem judicial, assim mesmo "para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". Mas apenas as polícias judiciárias (a dos estados e a Polícia Federal) estão autorizadas a requerer ao Judiciário a quebra de sigilos. Mas a PL vai ao cúmulo de usurpar competências do sistema ao efetuar investigações, inquéritos e arapongagem.
Conforme adverte o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, "a polícia do Senado não tem poder para acessar informações da navegação de um usuário a fim de realizar investigação sem ordem judicial". No mesmo sentido, o pronunciamento do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho. "A Polícia Legislativa" — diz — "é só um nome pomposo para uma segurança institucional" que "deveria ser limitada" a agir apenas "nas dependências da Câmara e do Senado".
A inviolabilidade "à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas" (Constituição, art. 5º, X) reporta-se ao direito de não ser monitorado, de não ter registros pessoais revelados e de não ter comunicações reservadas tornadas públicas. São pressupostos que formam o conjunto das garantias identificadoras do Estado Democrático de Direito. Razões mais que suficientes — convém lembrar — para que o Ministério Público postule ao Supremo Tribunal Federal (STF) freio na exacerbação policial do Senado.
Entenda o caso
Máquina de grampos
De polícia com funções administrativas, os agentes do Senado ganharam o terreno da contrainteligência e equiparam as dependências da Casa com sofisticados aparelhos capazes de monitorar todas as frequências emitidas nos prédios, em busca de grampos. Sexta-feira, o Correio divulgou lista de compra elaborada pela Serviço de Tecnologia e Projetos da Polícia do Senado (Setpro) que incluía quatro maletas de rastreamento de escutas telefônicas.
O pedido de compra foi aprovado em setembro. Após a publicação da reportagem, a Primeira-Secretaria da Casa informou que desistiria dos equipamentos. Segundo o órgão, a consulta tinha o objetivo de atualizar os rastreadores, considerados obsoletos. Atualmente, o Senado possui duas maletas modelo Oscor 5000, usadas para monitorar a utilização de telefones nas dependências do legislativo.
Ontem, o Correio mostrou que ato da Primeira-Secretaria, também de setembro, abriu brecha jurídica para que a Polícia do Senado solicitasse diretamente ao Centro de Processamento de Dados da Casa (Prodasen) informações sobre a navegação de servidores e usuários da internet do Senado. (JJ)
Arapongas proibidos de bisbilhotar e-mails
Senado colocará um freio na atuação dos policiais legislativos em casos que envolvam a quebra de sigilo de funcionários da Casa. O primeiro-secretário do Senado, Cícero Lucena (PSDB-PB), anunciou ontem a mudança na redação do artigo nº 10 do ato nº 14 de 2011, limitando a quebra de sigilo da navegação de funcionários e usuários da internet a solicitações judiciais ou investigações conduzidas por CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito).
A medida foi tomada após reportagem do Correio revelar que os agentes da Polícia Legislativa da Casa tinham autorização para bisbilhotar as caixas postais dos servidores. A atual redação do ato concede aos agentes o poder de solicitar informações ao Centro de Processamento de Dados do Senado (Prodasen) durante a condução de investigações internas. A prerrogativa foi dada aos policiais legislativos no último 14 de setembro, por decisão da própria Mesa Diretora.
Plenário do Senado: quebra de sigilo será motivada por denúncias de pornografia ou pedofilia
O primeiro-secretário informou que o Senado deve, a partir de agora, acionar primeiramente a Justiça para só depois quebrar o sigilo dos e-mails. "Quando houver denúncia do comportamento de prática de pedofilia ou pornografia nós abriremos um inquérito administrativo na Casa. Após esse inquérito, tendo indícios de que é verdade, irá se solicitar na Justiça a autorização da quebra", ressaltou Lucena.
Apesar da iniciativa, o senador não informou se o monitoramento das caixas postais por parte da Polícia Legislativa será interrompido. O Correio também questionou assessoria da Casa sobre o número de solicitações de dados que a Polícia do Senado fez ao Prodasen desde que o ato foi publicado, mas não obteve resposta.
O ato que permeia a utilização da internet da Casa baseou-se em entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que concede às empresas o direito de monitorar e-mail corporativo, para tornar mais flexível a política de confidencialidade de dados de funcionários e usuários. Segundo o advogado Euclydes José Marchi Mendonça, a jurisprudência tem apresentado duas posições sobre o assunto.
Uma entende que, no ambiente corporativo, não há mais sigilo e a outra, que ainda é preciso respeitar a intimidade e a privacidade dos funcionários. "Para usar essas informações, tem que ter ordem judicial. No caso do Senado, não vejo qual a intenção", afirmou Marchi Mendonça. O vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo defende que o funcionário seja comunicado de que está sendo monitorado. "É preciso estabelecer os limites dessa vigilância, porque quem olha o e-mail corporativo pode olhar também o pessoal. A linha é tênue."
Mas há nuances diferenciadoras. Durante a vigência do regime nazista não havia, como agora, recursos cibernéticos para a intromissão irresistível na privacidade das pessoas. Eis aí o retrato da grave decisão da Câmara Alta de usar equipamentos para rastrear até e-mails enviados e recebidos por servidores.
Finca na criação da Polícia Legislativa (PL) a raiz original da iniciativa temerária. O que deveria ser apenas serviço de segurança contra eventuais tumultos foi, aos poucos, convertido em órgão munido de competências ilegais. Hoje, além de equipado com armas letais, promove investigações, instala inquéritos e utiliza aparelhos de contraespionagem. A mobilização dos agentes inclui varrer as frequências emitidas nas dependências do Congresso em busca de escutas. Vai mais longe o arrasto no ciberespaço: o Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado (Prodasen) deve fornecer informações à PL sobre navegação de internautas na rede mundial.
Só por excesso de desapreço à ordem constitucional poder-se-ia conceder prerrogativas típicas de órgão de segurança do Estado a ente que nem sequer deveria ser designado de polícia. Ordena o artigo 5º, XII, que a ruptura do sigilo das comunicações depende de ordem judicial, assim mesmo "para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". Mas apenas as polícias judiciárias (a dos estados e a Polícia Federal) estão autorizadas a requerer ao Judiciário a quebra de sigilos. Mas a PL vai ao cúmulo de usurpar competências do sistema ao efetuar investigações, inquéritos e arapongagem.
Conforme adverte o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, "a polícia do Senado não tem poder para acessar informações da navegação de um usuário a fim de realizar investigação sem ordem judicial". No mesmo sentido, o pronunciamento do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho. "A Polícia Legislativa" — diz — "é só um nome pomposo para uma segurança institucional" que "deveria ser limitada" a agir apenas "nas dependências da Câmara e do Senado".
A inviolabilidade "à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas" (Constituição, art. 5º, X) reporta-se ao direito de não ser monitorado, de não ter registros pessoais revelados e de não ter comunicações reservadas tornadas públicas. São pressupostos que formam o conjunto das garantias identificadoras do Estado Democrático de Direito. Razões mais que suficientes — convém lembrar — para que o Ministério Público postule ao Supremo Tribunal Federal (STF) freio na exacerbação policial do Senado.
Entenda o caso
Máquina de grampos
De polícia com funções administrativas, os agentes do Senado ganharam o terreno da contrainteligência e equiparam as dependências da Casa com sofisticados aparelhos capazes de monitorar todas as frequências emitidas nos prédios, em busca de grampos. Sexta-feira, o Correio divulgou lista de compra elaborada pela Serviço de Tecnologia e Projetos da Polícia do Senado (Setpro) que incluía quatro maletas de rastreamento de escutas telefônicas.
O pedido de compra foi aprovado em setembro. Após a publicação da reportagem, a Primeira-Secretaria da Casa informou que desistiria dos equipamentos. Segundo o órgão, a consulta tinha o objetivo de atualizar os rastreadores, considerados obsoletos. Atualmente, o Senado possui duas maletas modelo Oscor 5000, usadas para monitorar a utilização de telefones nas dependências do legislativo.
Ontem, o Correio mostrou que ato da Primeira-Secretaria, também de setembro, abriu brecha jurídica para que a Polícia do Senado solicitasse diretamente ao Centro de Processamento de Dados da Casa (Prodasen) informações sobre a navegação de servidores e usuários da internet do Senado. (JJ)
Arapongas proibidos de bisbilhotar e-mails
Senado colocará um freio na atuação dos policiais legislativos em casos que envolvam a quebra de sigilo de funcionários da Casa. O primeiro-secretário do Senado, Cícero Lucena (PSDB-PB), anunciou ontem a mudança na redação do artigo nº 10 do ato nº 14 de 2011, limitando a quebra de sigilo da navegação de funcionários e usuários da internet a solicitações judiciais ou investigações conduzidas por CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito).
A medida foi tomada após reportagem do Correio revelar que os agentes da Polícia Legislativa da Casa tinham autorização para bisbilhotar as caixas postais dos servidores. A atual redação do ato concede aos agentes o poder de solicitar informações ao Centro de Processamento de Dados do Senado (Prodasen) durante a condução de investigações internas. A prerrogativa foi dada aos policiais legislativos no último 14 de setembro, por decisão da própria Mesa Diretora.
Plenário do Senado: quebra de sigilo será motivada por denúncias de pornografia ou pedofilia
O primeiro-secretário informou que o Senado deve, a partir de agora, acionar primeiramente a Justiça para só depois quebrar o sigilo dos e-mails. "Quando houver denúncia do comportamento de prática de pedofilia ou pornografia nós abriremos um inquérito administrativo na Casa. Após esse inquérito, tendo indícios de que é verdade, irá se solicitar na Justiça a autorização da quebra", ressaltou Lucena.
Apesar da iniciativa, o senador não informou se o monitoramento das caixas postais por parte da Polícia Legislativa será interrompido. O Correio também questionou assessoria da Casa sobre o número de solicitações de dados que a Polícia do Senado fez ao Prodasen desde que o ato foi publicado, mas não obteve resposta.
O ato que permeia a utilização da internet da Casa baseou-se em entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que concede às empresas o direito de monitorar e-mail corporativo, para tornar mais flexível a política de confidencialidade de dados de funcionários e usuários. Segundo o advogado Euclydes José Marchi Mendonça, a jurisprudência tem apresentado duas posições sobre o assunto.
Uma entende que, no ambiente corporativo, não há mais sigilo e a outra, que ainda é preciso respeitar a intimidade e a privacidade dos funcionários. "Para usar essas informações, tem que ter ordem judicial. No caso do Senado, não vejo qual a intenção", afirmou Marchi Mendonça. O vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo defende que o funcionário seja comunicado de que está sendo monitorado. "É preciso estabelecer os limites dessa vigilância, porque quem olha o e-mail corporativo pode olhar também o pessoal. A linha é tênue."
Contrainteligência
O primeiro-secretário mudou o discurso em relação ao projeto do Senado, de comprar novos aparelhos antiarapongas. As declarações dadas por Lucena ontem se chocam com as do último sábado, quando disse ser "absolutamente contrário à aquisição de equipamentos dessa natureza" pelo Senado. No novo posicionamento, o senador — que é responsável por liberar a aquisição dos aparelhos — diz que o pedido ainda precisa ser avaliado. "Ainda não recebi a demanda, preciso ver", ressaltou. "O pedido é para escuta ambiental para ver se tem grampo no telefone", ponderou o senador.
Ele, no entanto, afirma que é contra a prática da realização de grampos no Senado. Documentos sigilosos — revelados na última sexta-feira pelo Correio — mostram que a Polícia do Senado solicitou compra de quatro maletas de rastreamento de grampos telefônicos. Segundo o diretor da Polícia Legislativa, Pedro Ricardo Araujo Carvalho, a compra é necessária em razão dos aparelhos atuais utilizados pelos agentes estarem defasados.
Outra decisão da Mesa tomada na reunião de ontem diz respeito à prerrogativa de senadores pedirem passaporte diplomático para terceiros. A pedido do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), o Itamaraty concedeu o documento para um pastor, conforme revelado pela imprensa na última semana. Segundo Lucena, a Mesa deve criar um ato impedindo a prática. "O senador não vai poder pedir para terceiros. Ele terá que devolver a partir do momento em que haverá o ato", ressaltou.
O primeiro-secretário mudou o discurso em relação ao projeto do Senado, de comprar novos aparelhos antiarapongas. As declarações dadas por Lucena ontem se chocam com as do último sábado, quando disse ser "absolutamente contrário à aquisição de equipamentos dessa natureza" pelo Senado. No novo posicionamento, o senador — que é responsável por liberar a aquisição dos aparelhos — diz que o pedido ainda precisa ser avaliado. "Ainda não recebi a demanda, preciso ver", ressaltou. "O pedido é para escuta ambiental para ver se tem grampo no telefone", ponderou o senador.
Ele, no entanto, afirma que é contra a prática da realização de grampos no Senado. Documentos sigilosos — revelados na última sexta-feira pelo Correio — mostram que a Polícia do Senado solicitou compra de quatro maletas de rastreamento de grampos telefônicos. Segundo o diretor da Polícia Legislativa, Pedro Ricardo Araujo Carvalho, a compra é necessária em razão dos aparelhos atuais utilizados pelos agentes estarem defasados.
Outra decisão da Mesa tomada na reunião de ontem diz respeito à prerrogativa de senadores pedirem passaporte diplomático para terceiros. A pedido do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), o Itamaraty concedeu o documento para um pastor, conforme revelado pela imprensa na última semana. Segundo Lucena, a Mesa deve criar um ato impedindo a prática. "O senador não vai poder pedir para terceiros. Ele terá que devolver a partir do momento em que haverá o ato", ressaltou.
Fonte: defesanet.com.br
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