GUERRILHA NA AMAZÔNIA:
UMA EXPERIÊNCIA NO PASSADO,
O PRESENTE E O FUTURO(matéria em três partes)
Matéria Publicada Origalmente em DefesaNet Novembro 2005
Cel Alvaro de Souza Pinheiro(*),
do Exército Brasileiro
DefesaNet Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro |
DefesaNet Nota: O Série de artigos "Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro", foi produzida como uma posição do Exército Brasileiro referente à Amazônia, nos anos 90. O seu autor, na época Coronel de infantaria, atuava como oficial de ligação do Exécito Brasileiro junto ao Centro de Armas Combinadas e à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, apresenta uma visão abrangente e relata com detalhes dois pontos importantes a Guerrilha do Araguaia (Parte 2) e a Ação do Rio Traíra (Parte 3). Hoje, no posto de General de Brigada (reserva) escreve sobre assuntos militares com vários artigos publicados em DefesaNet Artigo publicado originalmente na: Military Review 1º Trim 95 Ed Português Military Review t - Oct 95 Edição Español Military Review March-April 96 English Edition
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A Amazônia Brasileira foi elevada à situação de área estratégica prioritária, em face dos múltiplos conflitantes aspectos que a caracterizam, conferindolhe uma problemática política, econômica, psicossocial e militar altamente especial, delicada e sensível. O presente artigo procura decodificar as lições aprendidas nas diversas experiências de guerrilha vivenciadas na Amazônia, tentando estabelecer um paralelo entre o passado, o presente e o futuro.
O Presente
12:00 horas de uma terça-feira, dia 26 de fevereiro de 1991. Cerca de 40 elementos que se declararam guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias Comunistas (FARC) - Comando Simón Bolívar - Facção Força e Paz, realizam uma incursão em território nacional e atacam um Destacamento do Exército Brasileiro estacionado em instalações semi-permanentes, às margens do rio Traíra, fronteira entre o Brasil e a Colômbia.
O ataque foi efetuado por três escalões, dos quais um, o de apoio de fogo, permaneceu na margem colombiana, enquanto os outros dois, de assalto e de segurança, investiram o acampamento. Inicialmente, com preciso fogo de atiradores de escol, foram eliminados os sentinelas da hora, e a seguir, desen cadeado intenso fogo de armas automáticas contra as instalações do Destacamento, cujos integrantes, surpreendidos, tentaram, sem sucesso, reagir.
Em decorrência da ação, da guarnição de 17 homens, resultaram três soldados mortos e nove feridos. Morreram também dois garimpeiros clandestinos colombianos que estavam detidos no posto aguardando evacuação para Vila Bittencourt/AM.
Na finalização da operação, os guer rilheiros colombianos apropriaram-se de estações rádio, munição, uniformes e todo o armamento do posto, conduzindo todo o material para o seu território. Aparentemente, não sofreram baixas. Portavam armamento automático HK 5.56 mm e armas de caça calibre 12. Trajavam uniformes de cor verde claro e botas de borracha do tipo "sete léguas". Faziam parte do comando atacante duas mulheres identificadas como já tendo sido anteriormente presas no Destacamento.
A instalação do Destacamento Traíra foi uma decisão do Comando Militar da Amazônia, autorizada pelo Sr Ministro do Exército, Comandante da Força Terrestre, para fazer face à tumultuada situação reinante na região da Serra do Traíra/AM, provocada pela presença de grande número de garimpeiros clandestinos brasileiros e, principalmente, colombianos, que para lá se deslocaram após a desativação das instalações da Empresa de Mineração Paranapanema, que detinha o alvará de pesquisa aurífera cedido pelo Governo Federal.
Em posteriores operações de inteligência ficou comprovado que a guerrilha colombiana aliada a cocaineiros e garimpeiros clandestinos colombianos, e também contando com o beneplácito de alguns índios corrompidos pela narcoguerrilha na região, procuravam as regiões auríferas nos antigos garimpos abandonados da Cia Paranapanema, a fim de obter recursos para suas ações subversivas. Dessa forma, a ação da guerrilha colombiana foi efetuada como uma represália à ação repressiva desencadeada pelo Destacamenteo Traíra.
Há que se ressaltar que a atuação do Destacamento Traíra, instalado sob a responsabilidade do então 1º Comando de FronteiraSolimões/1º Batalhão Especial de Fronteira (1º Cmdo Fron-Solimões/1º BEF), sediado em Tabatinga/AM, se limitava a uma ação específica de manutenção da ordem, visando tão somente expulsar garimpeiros colombianos de volta ao seu território, e impedir a vinda de garimpeiros brasileiros para a área, até que o Governo Federal regularizasse a situação da lavra no local, provocada pelo abandono da Empresa Parana panema.
O ataque das FARC contra o Destacamento Traíra foi uma ação inesperada, covarde, traiçoeira e inusitada, em virtude da missão que o Destacamento cumpria, e de nunca se ter tido notícia de fatos dessa natureza, desde a instalação, na Amazônia, dos primeiros Pelotões de Fronteira do Brasil.
A ação de 26 Fev 91 das FARC no rio Traíra desencadeou o planejamento e a execução de uma operação conjunta efetuada pelas Forças Armadas Brasileiras e Colombianas, denominada "Operação Traíra". Esta Operação foi a principal conseqüência da Reunião Extraordinária Regional Bilateral Brasil/Colômbia, com a participação, pelas forças colombianas, de autoridades do Comando da IV División del Ejército Nacional de Colombia, sediado em Vila Vicenzio/Col e, pelas forças brasileiras, de autoridades do Comando Militar da Amazônia, sediado em Manaus/AM.
Esta Reunião estabeleceu vários Acordos Conjuntos e algumas Recomendações que, basicamente, definiram que as respectivas forças se comprometiam a operar em seu respectivo território, com o objetivo de manter a ordem e a tranqüilidade na região fronteiriça. Ficou também estabelecido que as ações a realizar seriam coordenadas de forma plena, em todos os níveis de planejamento, inclusive com o intercâmbio imediato e contínuo de informações relacionadas com a subversão, o terrorismo e o narcotráfico, visando a neutralização de qualquer ameaça que se apresentasse no respectivo território. Foi também recomendado que os Exércitos do Brasil e da Colômbia promovessem gestões junto aos seus respectivos governos no sentido de incrementar na área a presença de organismos do Estado, orientados para a execução de atividades de desenvolvimento comunitário.
No território nacional, o posto de comando instalado pelo CMA ficou em Vila Bittencourt, sede de um dos Pelotões na fronteira com a Colômbia. No território colombiano, o posto de comando ficou em La Pedrera/Província de Taraira.
Os resultados obtidos na "Operação Traíra" foram extremamente significativos. Pelo lado colombiano, deve-se destacar a eficiente ação do Batalhão "Bejarano Muñoz", sediado em La Pedrera/Taraira. Pelo lado brasileiro, o excepcional desempenho dos combatentes do então 1º Batalhão Especial de Fronteira (1º BEF), hoje, 8º Batalhão de Infantaria de Selva (8º BIS), sediado em Tabatinga/AM. Superando com estoicismo o trauma inicial que enlutou a família tabatinguense, o 1º BEF, fundamentado numa liderança do mais alto padrão em todos os níveis de comando, demonstrando um excelente grau de adestramento, um moral e um espírito de corpo extraordinários, foi o grande responsável pela ocorrência da eliminação de doze guerrilheiros integrantes do comando das FARC que atacou o Destacamento Traíra, bem como pela prisão de inúmeros elementos de sua rede de apoio, e pela recuperação de boa parte do material capturado quando da solerte ação terrorista.
Há também que se destacar a efetiva participação dos elementos do tradicional "Batalhão Amazonas", 1º Batalhão de Infantaria de Selva (1º BIS), sediado em Manaus, unidade de elite do CMA que, como sempre, ratificou o seu excelente nível de preparo para as operações em ambiente de selva.
Especial atenção deve ser dada também à atuação dos elementos da Reserva Estratégica do Exército Brasileiro, sempre presentes nas situações de crise na Região Amazônica, das Forças Especiais e da Aviação do Exército.
Mais uma vez foi ratificado que a presença dos especialistas em guerra irregular e combate não-convencional do 1º Batalhão de Forças Especiais (1º BFEsp), sediado no Rio de Janeiro, através da ação de um Destacamento de Ação Imediata, integrado por frações de Forças Especiais e Ações de Comandos, se faz imprescindível ao comando da operação, em situações dessa natureza.
Com relação à Aviação do Exército, há que se ressaltar que a "Operação Traíra" se constituiu num marco histórico altamente significativo. Esta foi a primeira oportunidade em que a então recém criada Brigada de Aviação do Exército (Bda Av Ex), sediada em Taubaté/SP, se viu engajada numa operação real de combate na Região Amazônica, o seu verdadeiro batismo de fogo. E o desempenho da Patrulha Ajuricaba, integrada por 4 helicópteros de manobra HM-1 Pantera, 2 helicópteros de reconhecimento e ataque HA-1 Esquilo, reforçados por pessoal de suprimento e manutenção, foi excepecional. Estas aeronaves, inclusive, apoiaram, por solicitação do comando colombiano, as ações de infiltração do comando colombiano, as ações de infiltração e ressuprimento das patrulhas colombianas. E após o término da "Operação Traíra", uma seção, constituída por duas aeronaves HM-1 e uma HA-1, permaneceu baseada em Vila Bittencourt, por mais de seis meses, operando em apoio às ações do 1º BEF na região do Traíra. É importante ter em mente que operar aeronaves de asa rotativa na Amazônia exige padrões de desempenho especiais que ultrapassam em muito os exigidos para outras áreas. Quando se está em presença de uma situação real de combate, estas demandas se tornam ainda mais significativas, e tudo isso foi superado pelos elevados níveis de adestramento, motivação e liderança dos integrantes da Aviação do Exército.
Também não se pode deixar de considerar a decisiva participação da Força Aérea Brasileira (FAB). Além de apoiar oportunamente a concentração estratégica e o apoio logístico com aeronaves C-130 Hércules e C-115 Búfalo, a FAB se fez representar no posto de comando da operação por um oficial superior do VII Comando Aéreo Regional (COMAR VII), sediado em Manaus, que desempenhou, no estado-maior constituído, as funções de coordenador do apoio aéreo. A ele cabia a tarefa de planejar e conduzir o emprego dos meios aéreos alocados à operação pelo Comando Geral do Ar (COMGAR). Estes meios eram, basicamente, constituídos por duas aeronaves C-95 Bandeirante, de reconhecimento aerofotogramétrico, seis helicópteros UH-1H e seis aeronaves de ataque ao solo AT-27 Tucano, todas baseadas em Vila Bittencourt.
A "Operação Traíra" ratificou mais uma vez que, na Amazônia, sem o adequado e oportuno apoio da Força Aérea, a Força Terrestre fica extremamente limitada nas suas ações de combate, apoio ao combate e logísticas.
A Marinha do Brasil também se fez presente na "Operação Traíra", através da atuação de um Navio Patrulha Fluvial da Flotilha do Amazonas (FLOTAM), sediada em Manaus, que se deslocou para Vila Bittencourt, cooperando com o apoio logístico e incrementando a segurança daquela região fronteiriça.
A insidiosa ação sobre o posto do Traíra, em fevereiro de 1991, registrou de forma significativa a mais importante ameaça aos interesses vitais do Brasil na Amazônia, no contexto da Defesa Externa, nos dias de hoje.
A atual problemática existente em diversas regiões do arco fronteiriço amazônico, da Guiana Francesa à Bolívia, envolvendo com maior ou menor intensidade, questões indígenas, garimpo clandestino, descaminho de recursos minerais, atividades de contra bando e de tráfico de armas, problemas fundiários, e, principalmente, a forte conexão existente entre a guerrilha alienígena e o narcotráfico criando o fenômeno da narco guerrilha (particularmente no Peru e na Colômbia), ratifica a possibilidade da eclosão latente de crises que tenham no seu escopo o desencadeamento de conflitos onde estará em foco a defesa dos interesses vitais do Brasisl na Amazônia, particularmente, a Soberania e a Integridade do Patrimônio Nacional.
Em novembro de 1991, outra operação de monta foi desencadeada pelo CMA para fazer face às latentes ameaças provodadas pela ação das FARC, na fronteira com a Colômbia. Esta operação denominada "Operação Perro Loco" foi realizada na região de Iauaretê/AM e Querarí/AM, conhecida como "Cabeça do Cachorro". Empregou efetivos do 5º BIS, sediado em São Gabriel da Cachoeira/AM, do 1º BFEsp, e uma Força de Helicópteros com 14 aeronaves da Bda Av Ex. A exemplo da "Operação Traíra", a "Operação Perro Loco" se constituiu numa magnífica demonstração de operacionalidade dos elementos envol vidos, atingindo de forma plena o seu grande objetivo que era dissuadir, de forma definitiva, a execução de incursões por parte da narcoguerrilha colombiana naquela região.
Em atendimento às diretrizes emanadas do Estado-Maior do Exército (EME), no contexto da Defesa Externa, coube ao Comando de Operações Terrestres (COTer) definir a orientação do planejamento do emprego da Força Terrestre na defesa dos interesses vitais do Brasil face a ameaças dessa natureza. E para esta definição, todos os ensinamentos colhidos nas experiências da "Operação Traíra" e da "Operação Perro Loco" foram significativamente considerados.
Dentre as mais significativas idéias preconizadas na atual concepção estratégica face a conflitos dessa natureza está a sua adequada caracterização. Tratase de um conflito de baixa intensidade, onde o inimigo, genericamente designado de "forças adversas", pode apresentarse sob vários matizes-narcotraficantes, garimpeiros clan destinos, indígenas apátridas, guerrilheiros com ou sem motivações ideológicas, aventureiros internacionais, agentes de potências de fora do continente sul-americano infiltrados, ou mesmo uma combinação desses elementos - pondo em risco a Segurança Nacional, nas regiões fronteiriças amazônicas.
O grande objetivo político a ser atingido quando da eclosão de um conflito dessa natureza é manter a Soberania e a Integridade do Patrimônio Nacional, não suspendendo as operações até a definitiva expulsão das "forças adversas" do Território Nacional.
Quanto aos objetivos militares, estes podem ser sintetizados pelas ações de destruir as "forças adversas" que atuarem no Território Nacional, e defender a população e o Patrimônio Nacional.
Fundamentalmente, a ação da Força Terrestre crescerá de intensidade passando pelos estágios de desencadeamento de ações preventivas, repressivas e operativas; e segundo a seguinte gradação: operações de apoio aos órgãos da administração federal, estadual ou municipal, operações de inteligência; operações contra as "forças adversas", e operações de maior vulto, caso as "forças adversas" evoluam para estágios mais desenvolvidos de organização.
A concepção estratégica de emprego da Força Terrestre face a situações dessa natureza define que, apesar da ocorrência de ações operativas para a destruição das "forças adversas", não será ativada a Estrutura Militar de Guerra, ou seja, tratase de uma situação típica de nãoguerra.
Em termos de estrutura operacional, para fazer face a situações dessa natureza, está preconizada a ativação, por parte dos Comandos Militares da Amazônia e do Norte (CMN), mediante autorização do Sr Ministro do Exército, Comandante da Força Terrestre, de uma Área de Conflito (AC). O estabeleci mento de AC, em termos de delimitação territorial, deve estar restrito à área fronteiriça onde seja iminente ou esteja ocorrendo a ameaça. Em termos de estrutura de comando, a AC deverá enquadrar uma Zona de Opera ções (ZOp) e uma Zona de Apoio (ZAp). Esta organização tem como finalidade o estabele cimento tanto de uma estrutura de comando e controle quanto a definição de responsa bilidade territoriais.
A ZOp deverá ficar restrita à região onde se realizam as ações operativas de destruição das "forças adversas". Esta região deverá abranger o espaço físico terrestre e aéreo necessário à condução das operações. Em princípio, o comandante da ZOp deverá ser o comandante do escalão diretamente responsável pela destruição das "forças adversas". E o seu posto de comando deve estar localizado no ponto onde melhor se possa coordenar e controlar as ações operacionais.
A ZAp deverá englobar a região onde as ações a realizar serão de caráter predomi nantemente logístico. Em princípio, o posto de comando da ZAp deve estar localizado junto à principal base logística instalada. Basicamente, o suprimento chega à ZAp por meios aéreos (principalmente) ou fluviais de maior porte. Razão pela qual, normalmente, a ZAp estará numa área onde exista um aeródromo de adequadas condições. Daí o suprimento será transportado para a ZOp, normalmente, através do emprego de helicópteros.
O valor da AC a ser estabelecida, por determinação do CMA ou do CMN, será função da complexidade e da gravidade do problema a ser resolvido. Numa área onde o poder de combate das "forças adversas" se apresente como ponderável, com parcelas significativas de forças irregulares represen tativas da guerrilha e/ou do narcotráfico alienígena, em princípio, a AC ativada deverá ser de valor Bda, cabendo o planejamento e a condução das operações ao comandante de uma das quatro Brigadas de Infantaria de Selva (dependendo da localização do conflito) estacionadas na Área Estratégica Amazônica. Nesse caso, o comandante da brigada poderá designar um de seus comandantes de batalhão, comandante da ZOp, e o seu E/4, comandante da ZAp. Caso o problema seja de menor monta, e seja restrito à eliminação de um pequeno grupo que, episodicamente, adentrou o Território Nacional, o CMA ou o CMN poderão determinar às suas brigadas subordinadas o estabelecimento de uma AC de valor batalhão.
É importante ressaltar que o COTer tem antecipadamente definidas para os Comandos Militares de Área interessados quais as áreas prioritárias onde, em função das informações disponíveis, há uma maior probabilidade de eclosão de uma crise dessa natureza. Dessa forma, é possível a orientação do esforço de preparação e de planejamento para essas áreas prioritárias.
Como meios disponíveis para emprego nas AC ativadas estãos os meios de combate, apoio ao combate e logísticos do CMA e do CMN; os meios de combate, apoio ao combate e logísticos da Reserva Estratégica, destacandose os do Comando de Aviação do Exército, os da Brigada de Infantaria PáraQuedista e os do Batalhão de Forças Especiais. Além desses, estão disponíveis os meios de combate, apoio ao combate e logísticos da Força Aérea Brasileira e da Marinha do Brasil, a serem definidos respectivamente pelo Comando Geral do Ar (COMGAR - Nota recentemente alterado para Comando Geral de Operações Aéreas) e pelo Comando de Operações Navais (CON). A esses meios poderão ser acrescentados outros, dependendo da complexidade do problema a ser enfrentado, requisitados de organizações civis governamentais (federais, estaduais ou municipais) ou privadas, todos integrados sob o comando único da AC.
Assim, o Exército Brasileiro está dotado de uma adequada estrutura de preparação, planejamento e condução de operações para fazer face às "forças adversas" que, indiscu tivelmente, se constituem na mais latente ameaça a ser enfrentada no contexto da Defesa Externa, na Área Estratégica Amazônica, nos dias de hoje.
O Futuro
Uma visão futura de situações que possam colocar em risco os interesses vitais do Brasil na Amazônia nos permite antever que as ameaças atualmente existentes tenderão a diminuir ou a aumentar, principalmente, como conseqüência do resultado que as nações amigas vizinhas tiverem no seu esforço para vencer seus graves conflitos internos.
Todavia, fica muito claro que qualquer perspectiva otimista, a curto prazo, é absolutamente irreal. A atual intensidade da presença da narcoguerrilha na Colômbia, no Peru e na Bolívia é de tal ordem que não nos é permitido visualizar um "final feliz", nem a médio prazo, apesar dos extraordinários esforços que vêm sendo desenvolvidos por estes respectivos governos.
Assim, a perspectiva de combater "forças adversas" provenientes da narcoguerrilha alienígena, em algumas regiões do arco fronteiriço amazônico, num contexto de Defesa Externa, permanece presente, a curto e a médio prazos.
Por outro lado, ao se focalizar possíveis ameaças à garantia dos poderes constitu cionais e à manutenção da lei e da ordem, numa visualização a curto e a médio prazos, não se pode deixar de acompanhar com extrema atenção o desenvolvimento das questões fundiárias que, em inúmeras regiões da Amazônia, podem levar a exacerbações que desencadeiem conflitos provocados por reivindicações não atendidas dos chamados "Movimentos dos SemTerra". Estes conflitos, que poderão ter ou não conotação ideológica, podem exigir o emprego de força federal, ainda que eventualmente, no combate contra "forças adversas", num contexto de Defesa Interna. A própria região do "Bico do Papagaio" continua sendo potencialmente explosiva para o desencadeamento de conflitos dessa natureza. Para prevenir a sua eclosão, muito mais que a presença da expressão militar, o que se faz necessário é uma eficiente ação governamental, coordenada a nível federal, estadual e municipal. Todavia, para fazer face, no futuro, a situações dessa natureza, os comandos militares de todos os níveis mantêm permanentemente atualizados os seus planejamentos de Segurança Integrada.
Mas, ao se efetuar qualquer análise prospectiva envolvendo aos questões de segurança da Amazônia Brasileira, há que se considerar significativamente a atual conjuntura internacional e as demandas produzidas pelo que se tem denominado de "Nova Ordem Mundial". Neste novo sistema internacional, onde os Estados Unidos da América se apresentam como a única superpotência econômica e militar, novos focos de tensão e atrito passaram a eclodir, todos com relação direta a aspectos étnicos, religiosos e de identidade nacional.
Nesse novo contexto, as questões ambientais têm se revestido de especial importância. E sob a égide de um manto ecológicopreservacionista, os organismos de comunicação social internacionais têm construído e divulgado uma imagem extremamente negativa a respeito da Amazônia Brasileira. Nesse contexto de idéias, o mundo passou a assistir a pronunciamentos como o do Presidente Miterrand que, na defesa do que entende ser uma causa de fundamental importância para a humanidade, advoga a formação de organismos supranacionais para policiar os governos das nações dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento sobre as questões ambientais. É a apresentação explícita do princípio do devoir d'ingerence.
Não se constitui em escopo deste trabalho a discussão sobre a validade, a adequabili dade, a oportunidade e a legitimidade da avaliação desta que pode vir a se constituir, no futuro, na maior das ameaças externas aos interesses vitais do Brasil na Amazônia. Até porque, o EME, órgão responsável pela formulação das políticas e concepções políticoestratégicas, já definiu em diretriz estratégica específica que, para fazer face a ameaça dessa natureza, que envolve a possibilidade da ocorrência de um conflito contra uma força militar multinacional extracontinental dotada de um superior poder de combate, há que se empregar, ao nível da Estratégia Operacional, a Estratégia da Lassidão ou da Usura. Esta, por definição, "desenvolvese através de um conflito prolongado, de caráter total, tendo na maioria das vezes, fraca intensidade, normalmente à base da guerrilha, e busca obter a decisão pelo desgaste moral e o cansaço material. Nesta forma de atuar é fundamental saber durar".
A adoção da Estratégia da Lassidão no nível Operacional pressupõe a adoção da Guerra Irregular como principal forma de conduta de uma guerra convencional, na qual fica evidente o desequilíbrio de poder de combate entre as nossas forças e as dos possíveis oponentes. Implica na impossibilidade de fazer face ao invasor por meios convencionais de atuação em força, quer ofensiva, quer defensivamente, devido à inferioridade de recursos materiais e à grande disparidade na área científicotecnológica.
Seu grande objetivo será demonstrar ao invasor que o preço a pagar para manter o domínio sobre determinada região não compensa os benefícios decorrentes. Há que se ressaltar que o Exército Brasileiro é o único da América Latina a possuir o mesmo conceito doutrinário de emprego das Forças Especiais que o Exército dos EUA. Este conceito preconiza, basicamente, que os Destacamentos de Forças Especiais estabelecerão Áreas Operacionais de Guerra Irregular (AOGI). A diferença entre as concepções norte-americana e brasileira está no fato de que as Special Forces têm previsão de emprego fora de seu território operando com populações estrangeiras no contexto de um Movimento Revolucionário Patrocinado. Por outro lado, os nossos operadores de Forças Especiais estabelecerão AOGI no contexto de um Movimento de Resistência, trabalhando com comunidades brasileiras, quando da ameaça ou da ocorrência de uma invasão do nosso território.
As ações da Lassidão se desenvolvem em dois planos, simultaneamente: o plano material das forças militares e o plano moral da ação psicológica.
No plano material das forças militares, há que se enfatizar que, apesar de o combate a ser conduzido estar fundamentado no in tenso emprego das ações típicas de guerrilha, não se pretende transformar a força regular numa força de guerrilha. Para que forças regulares sejam eficazes empregando as técnicas da guerra de guerrilhas não se faz necessário que elas se convertam em forças de guerrilha. Isto seria um retrocesso inconcebível e preju dicial para o desenvolvimento da campanha.
No plano moral da ação psicológica, há que se distinguir o trabalho a ser desenvolvido sobre os diversos atores em presença. O objetivo será dar aos nossos combatentes e à nossa população o devido suporte moral, que lhes permita conduzir uma campanha de longa duração. Quanto ao invasor, há que se tendar desgastálo psicologicamente, pro curando leválo a ceder pelo cansaço.
Há que se ter sempre em mente que o objetivo político a ser atingido, e a campanha não deve ser concluída antes disso, é restabelecer a Soberania e a Integridade do Patrimônio Nacional. E há que se desenvolver uma conscientização nacional de que tal objetivo só será atingido com a retirada de todos os efetivos estrangeiros do território brasileiro.
Para que se possa efetuar um planejamento adequado, oportuno e coerente, também se faz necessária a correta identificação dos centros de gravidade em presença. Tornase muito claro que o centro de gravidade do invasor é a vontade nacional que lhe dá respaldo. No momento em que, fruto do desgaste que venha ser infligido ao invasor, fique caracterizado que o rendimento custo benefício não é compensador, ocorrerá o enfraquecimento da vontade nacional, e este será o fator prepon derante para a retirada das forças militares estrangeiras do território nacional.
Por outro lado, não podemos ignorar que os vazios demográficos, o desconhecimento da área, a existência de fronteiras não vivificadas, o posicionamento marginal em relação aos sistemas de circulação, enfim, a deficiência de integração de inúmeras regiões da Amazônia aos centros de poder nacionais podem criar condições potenciais de risco de fragmentação, com conseqüente perda do patrimônio nacional.
Não se pode esquecer também que a adoção da Lassidão pressupõe sacrifícios, que serão impostos a toda a Nação, que ficará exposta ao poder do adversário que, certamente, tentará quebrar a vontade nacional, principal insumo para a implementação dessa estratégia. E este é verdadeiramente o ponto focal a ser desenvolvido: estabelecer e consolidar a vontade nacional, desde já, em torno da defesa dos interesses vitais do Brasil na Amazônia.
Conclusão
Os vestígios e as ruínas de inúmeras fortalezas e os preservados fortes artilhados com velhos canhões de bronze são testemunhas de mais de 350 anos de lutas travadas pelos nossos antepassados para conquistar e manter a Amazônia Brasileira. E o emprego das técnicas da guerra de guerrilhas tem sido uma constante nessas lutas.
O ambiente de selva, a extensão territorial, a imensa faixa de fronteira, a rarefação demográfica, a deficiência de transportes e a precariedade de comunicações, todos fatores característicos daquela que, hoje, é a Área Estratégica de maior prioridade no território brasileiro, têm contribuído para que esta singular forma de combater encontre naquele ambiente operacional magníficas condições de condução.
Ao longo dos anos, tornouse muito claro que o vetor principal do desenvolvimento da Amazônia tem sido a ação pioneira e desbravadora das Forças Armadas, as quais, sem medir esforços e sacrifícios, sempre se fizeram presentes. E é, sobretudo, nos seus mais remotos rincões que o Exército influencia de modo decisivo a formação e a consolidação da nacionalidade das populações. E esta grandiosa missão de fortalecer a brasilidade nos corações e mentes de cada cidadão, além de ter que manter incólumes milhares de quilômetros de fronteiras, não é realizada sem sacrifícios, exigindo profissionais integralmente compromissados com a real dimensão do que significa ser soldado na Amazônia.
Mas a defesa dos interesses vitais do Brasil naquela área não é obra exclusiva dos soldados da Amazônia. É uma responsabili dade de todos os brasileiros, militares e civis, inclusive de outras regiões. E quando for o caso, todos, irmanados, se necessário empregando a guerra de guerrilhas, irão defendêla, como o fizeram no passado, e o estão fazendo no presente.
E nada poderá refletir melhor esta determinação na consecução das missões de segurança e integração da Amazônia do que a frase do antigo chefe, Gen Rodrigo Otávio: "Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia, muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistála e mantêla!"
Fonte:defesanet.com.br