O ministro da Defesa, Celso Amorim, voltou a pedir a ampliação dos gastos com as
Forças Armadas, em recente evento da Associação de Estudos da Defesa, como
noticiou o Estado (7/8). No entanto, sua justificativa para pedir mais recursos
na área militar foi constrangedora: o ministro acredita na possibilidade de
agressão não de algum vizinho, tampouco de narcoguerrilhas ou grupos
terroristas, mas de “grandes potências e alianças militares” – que só podem ser
Estados Unidos e Otan.
Amorim avalia que há hoje um “forte sentimento de insegurança no sistema
internacional” em razão de ações militares unilaterais, referindo-se às guerras
no Iraque e no Afeganistão, deflagradas pelos americanos, e à intervenção da
Otan na Líbia sem que houvesse claro mandato da ONU para isso.
Como sugere a fala do ministro, casos como esses mostram que o Brasil deve se
precaver. “Temos um patrimônio que nos transforma num dos territórios mais ricos
do planeta”, disse ele, enfatizando também a “nova estatura internacional do
Brasil ao redor do mundo” (sic !). E arrematou: “O Brasil deve construir
capacidade dissuasória crível, que torne extremamente custosa a perspectiva de
agressão externa a nosso país”. Os estrategistas militares de Washington devem
ter perdido o sono depois disso.
O discurso de Amorim se aproxima perigosamente da delirante
retórica bolivariana, que enxerga nos Estados Unidos uma ameaça militar
permanente, como se uma invasão dos “ianques” fosse acontecer a qualquer momento na América do Sul. Foi com essa desculpa grotesca que o
caudilho venezuelano, Hugo Chávez, armou-se até os dentes com equipamento bélico
russo – muito mais para atemorizar a oposição interna, graças à militarização
das chamadas “milícias bolivarianas”, do que para enfrentar uma improvável
intervenção americana. Essa coincidência entre a posição de Amorim e as
bandeiras do bolivarianismo não deveria causar espanto, a julgar por sua
trajetória na Chancelaria do governo Lula.
Nada disso significa que não haja necessidade de qualificar os investimentos nas Forças Armadas, sobretudo
diante do estado de penúria em que elas se encontram. Um estudo produzido pelo
Ministério da Defesa mostra que metade dos equipamentos militares do Brasil
simplesmente não tem condições de uso. Há casos críticos, como o da Marinha,
responsável por patrulhar a área que guarda uma das principais riquezas a que
aludiu Amorim – isto é, o petróleo do pré-sal. Os números mais recentes,
compilados no ano passado, mostram que somente 2 dos 23 jatos A-4 da Marinha
estavam em condições de voar. Além disso, apenas 53 das 100 embarcações e 2 dos
5 submarinos podiam navegar. Na Aeronáutica, nem metade dos aviões saía do chão,
e a maior parte da envelhecida frota superou os 15 anos de uso. Como se sabe,
porém, essa renovação, prometida ainda no governo Lula, está
emperrada.
O Brasil gasta 1,5% do PIB com defesa, e Amorim quer algo em
torno de 2%, equiparando-se à China, Rússia e Índia. É difícil imaginar, no
entanto, que o Brasil tenha necessidades militares semelhantes às desses países,
a não ser como expressão de megalomania. Ademais, já estamos entre os 15 países
do mundo que mais gastam na área militar – na Lei Orçamentária Anual para este
ano, a dotação do Ministério da Defesa foi de R$ 64,795 bilhões. O problema é
que, desse valor, R$ 45,298 bilhões estavam destinados ao pagamento de pessoal e
de encargos sociais, enquanto R$ 9,128 bilhões foram destacados para investimentos. Ainda assim, a verba para modernizar a área
militar vem crescendo constantemente desde 2007, quando somou R$ 5
bilhões.
Mais econômico, portanto, seria investir numa equação em que as Forças Armadas gastassem melhor
os recursos disponíveis e priorizassem a proteção das fronteiras, sem ter de,
recorrentemente, fazer o papel que cabe à polícia.
Não resta dúvida de que é imperativo manter uma força militar capaz de
enfrentar os desafios da defesa nacional, mas é preciso estabelecer prioridades
claras, lastreadas em ameaças reais, e não na imaginação fértil de um punhado de
ideólogos.
FONTE: O Estado de S. Paulo
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