Mesmo não possuindo poder de combate para enfrentar o Exército durante a
pacificação dos complexos de favelas do Alemão e da Penha, os integrantes do
crime organizado prosseguiram promovendo ações hostis, principalmente no campo
das operações psicológicas, durante toda a ocupação.
As técnicas, táticas e procedimentos de guerra irregular usados atualmente
pelo crime organizado no Brasil foram assimilados pelos revolucionários
comunistas na década de 1960 em Cuba, na China, na Albânia e outros países da
Cortina de Ferro. Posteriormente, o guerrilheiro brasileiro Carlos Marighela os
sintetizou escrevendo o Mini Manual do Guerrilheiro Urbano (1969), conhecido e
usado pelas principais organizações terroristas e criminosas do mundo hoje em
dia. Quando colocaram integrantes da luta armada e criminosos comuns no Presídio
da Ilha Grande nas mesmas celas, no início da década de 1970, estes ensinamentos
foram difundidos.
Da simbiose entre criminosos políticos e os comuns, nasceu o Comando
Vermelho, primeira facção de crime organizado do Brasil, hoje possuindo conexões
internacionais com vários segmentos do narcoterrorismo transnacional, como as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Durante a pacificação de algumas favelas no Rio de Janeiro, puderam-se
observar ações psicológicas direcionadas aos diversos públicos-alvo do cenário:
as tropas do Exército, os próprios criminosos, a população local das comunidades
e a opinião pública em geral. Da mesma forma, foram desenvolvidas as chamadas
propagandas branca, cinza e negra ao longo da operação.
As pichações em muros e paredes, anteriores à pacificação, foram anuladas
pela ação da tropa logo no início. No entanto, novas gravações e pinturas
enaltecendo a facção criminosa e as iniciais de seus principais líderes foram
realizadas em outros lugares, com siglas referentes ao Comando Vermelho. Também
foram grafitados desenhos e textos ironizando a ação do Exército. Normalmente
ocorriam nos intervalos de ronda das patrulhas.
Em situações de maior tensão, aproveitando-se de tumultos, surgiam
rapidamente faixas e cartazes já preparados previamente, dando a impressão de
que as turbas teriam sido agrupadas para aumentar o efeito e a visibilidade dos
materiais. Também acompanhavam as faixas panfletos normalmente bem escritos,
manipulando e distorcendo os fatos, procurando desacreditar a Força de
Pacificação.
O Comando Vermelho filmou e filma suas atuações por ocasião dos embates e
depois edita os vídeos, mostrando as forças legalistas sendo alvejadas em
associação com imagens depreciativas da polícia ou das Forças Armadas e
insatisfações da população com a exclusão social das favelas.
Esses vídeos são acompanhados de legendas e músicas que fazem apologia ao
crime organizado. Depois de prontos, eles são postados no YouTube e outros sites
da internet, usando inclusive redes sociais.
Os criminosos também se valem da difusão de boatos ameaçando a tropa e seus
colaboradores através da comunidade ou simulando conversas no rádio (sabendo que
estão sendo monitorados).
Outra forma de evidenciar força ou associação ao terror é a própria embalagem
das drogas. Além de identificarem explicitamente sua proveniência, procuram usar
slogans como “Rebeldes da Líbia”, “Esquina da Somália”, “Respeita o crime”,
“Lança Míssil”. Sempre vêm acompanhados das iniciais CVRL (Comando Vermelho
Rogério Lengruber, fundador do grupo) e alguma imagem de um traficante ou de uma
arma.
A manutenção da lei do silêncio na comunidade é realizada através do terror.
Os traficantes que possuem registro de atividades criminosas na polícia
abandonaram a área, entretanto os “ficha-limpa” permaneceram na comunidade,
promovendo atividades ilícitas de pequeno volume, direcionadas principalmente ao
consumo interno. Os colaboradores das Forças Armadas tinham que ser muito
discretos sob o risco de serem “justiçados” pelos criminosos.
Existem vários estúdios rudimentares que produzem músicas de péssima
qualidade e com linguagem extremamente chula visando a apologia ao sexo
explícito, ao crime organizado e depreciando a polícia ou o Exército. Essas
músicas são muito populares no interior das favelas e são usadas para promover a
degradação moral da comunidade, edificar os criminosos e provocar as forças
legalistas. Embora sejam constantemente reprimidas, muitas vezes fica difícil
identificar em tempo a origem do som dentro do labirinto de becos e vielas de
uma favela com 16 km de perímetro e 400 mil habitantes.
Em algumas ocasiões, durante a madrugada, foram preparados gatilhos de tempo
em artefatos caseiros para incendiar veículos estacionados na rua, mas foram
neutralizados antes de serem detonados. Em outras ocasiões, foram preparadas
barricadas com a finalidade de impedir ou dificultar o trânsito das viaturas.
Essas ações normalmente eram muito bem articuladas, pois contavam com a
participação de várias pessoas. Alguns olheiros (vigias), distribuídos nos
arredores, monitoravam a movimentação da tropa, usando celulares para falar ou
enviar mensagens de texto, ou mesmo rádios tipo talk about.
Tendo em vista que existe uma quantidade significativa de pessoas que vivem e
se beneficiam do tráfico de drogas (vigilantes, vendedores, seguranças,
embaladores/preparadores, transportadores, dentre outros), estas eram usadas
sistematicamente para provocar arruaças e desgaste na tropa, ao promover brigas,
desobediência e resistência ao acatamento de ordens.
Normalmente, mulheres, gestantes, idosos e crianças simpatizantes do tráfico
formavam uma barreira protegendo os marginais contra a tropa por meio de
escândalos, agredindo com palavras ou arremessando objetos de toda ordem. Essa
situação costumava ser extremamente delicada, até mesmo para o uso de
tecnologias não letais (spray de pimenta, munição de borracha, entre outras),
pois quase sempre havia elementos preparados para filmar as ações da tropa e
explorar as imagens na mídia. Em várias oportunidades, parecia que os
jornalistas já estariam por perto, alertados de que haveria algum enfrentamento
e, após a chegada deles, as turbas eram formadas e as hostilidades
iniciavam.
Do acima descrito, pode-se perceber que os integrantes do Comando Vermelho
dominam várias técnicas de emprego de Operações Psicológicas, direcionando-as
aos diversos públicos-alvo integrantes do Teatro de Operações e sabendo usar
redes sociais, internet, edição de vídeos, gravações de músicas, ou atividades
mais rudimentares como grafitar paredes ou espalhar o terror com boatos e
ameaças.
A maior dificuldade em realizar uma repressão mais eficaz a essas ações das
forças adversas foi a falta de liberdade legal da tropa, conforme as regras de
engajamento. É importante salientar que o Exército foi empregado numa situação
de normalidade constitucional. Isso significa que todos os moradores das
comunidades (por mais violência e ilícitos que houvesse) estariam em pleno gozo
de seus direitos e garantias individuais. A tropa não possuía, portanto,
autorização para entrar nas casas/barracos, recolher veículos sem documentação
(missão da polícia), ou realizar outras ações. Os militares deveriam agir como
se estivessem em um bairro de classe A, por exemplo.
A decisão da forma de emprego foi tomada no plano político e causou um enorme
desgaste à Força de Pacificação em todos os níveis hierárquicos; entretanto,
mais uma vez, os militares brasileiros souberam se adaptar a essas
condicionantes, anularam as ações e concluíram a missão com sucesso histórico
sem precedentes, entregando as comunidades às autoridades do estado do Rio de
Janeiro, com índices de segurança inéditos naquela região.
FONTE:
Portal Diálogo-Américas
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