segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Pagamento da folha de pessoal absorve 80% dos recursos

O orçamento do Ministério da Defesa, que em 2011 chegou a R$ 60,8 bilhões, é o terceiro maior do governo. Perde apenas para a previdência social (R$ 294 bilhões) e para a área da saúde (R$ 74 bilhões). Mas cerca de 80% dos recursos destinam-se ao pagamento da folha de pessoal, e 63% desse total vão para funcionários aposentados. Apenas 13,7% do orçamento destinam-se ao custeio, e menos ainda – 6,7% dos R$ 60 bilhões – são transformados em investimentos, segundo dados do pesquisador Vitélio Brustolin, que defendeu sua tese sobre o tema na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Brustolin está de malas prontas para os Estados Unidos, onde fará um pós-doutorado em Harvard sobre a indústria de defesa americana. “Embora tenha o terceiro orçamento da União, o dinheiro destinado a manter os equipamentos atuais, o que cria um risco: sucateamento e dificuldade para aquisição de novos.”
Hoje, segundo dados de mercado, o Brasil gasta 1,6% do PIB com a indústria de defesa, um percentual abaixo do verificado tanto em nações ricas quanto nas emergentes: o Chile gasta 3,5%, os Estados Unidos, 4,8%, o Reino Unido, 2,7%, a China, 2,1%.
Além do baixo investimento no setor, os militares se ressentem da ameaça constante da tesoura do governo. Para manter o cumprimento das metas de superávit primário, o contingenciamento de recursos é comum. “O orçamento de defesa tem sido o mais afetado pelos contingenciamentos. Valores destinados a custeio e investimentos, na monta de R$ 15,9 bilhões, foram limitados em R$ 10 bilhões em 2010. Em 2011 a cena foi semelhante: o Ministério da Defesa sofreu um corte de 26,5% nas despesas referentes a custeios e investimentos, ou seja: R$ 4,0 bilhões a menos”, analisa Brustolin.
O pesquisador observa que, apesar dos cortes, ao final dos anos de 2010 e 2011, parte dos recursos foi redirecionada. “Isso evitou catástrofes maiores, pois esses contingenciamentos ocorrem, justamente, nos gastos com a manutenção dos equipamentos e nos investimentos e projetos. Mas o decreto 7.622, de 22 de novembro do ano passado, liberou parte dos recursos contingenciados. O total desembolsado ficou em pouco mais que 70% da dotação autorizada. Resumindo: somando-se ao contingenciamento, grande parte dos recursos previstos não foi executada”, explica o pesquisador.
Nesse contexto, surge uma preocupação entre militares, parlamentares e especialistas: a necessidade de fontes complementares de financiamento para que projetos como a implementação do Sistema de Monitoramento das Fronteiras (SisFron) possam sair do papel. “É preciso avançar na definição de um orçamento mais robusto para as Forças Armadas”, defende o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional.
Os projetos estruturantes são cruciais para o melhor monitoramento da fronteira terrestre, da costa brasileira e do espaço aéreo, em um momento em que o país se prepara para explorar o pré-sal e pleiteia um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. “Quanto mais pudermos implementar esses projetos com independência tecnológica, melhor para nós. Mas é preciso destacar que esses projetos são alocados no orçamento como investimentos. Por isso, todas as vezes em que houver contingenciamento, que sempre afeta investimentos e custeios, a produção de tecnologias fundamentais para o país estará sendo prejudicada”, ressalta Brustolin.
Trata-se de uma questão que também preocupa a indústria. “De um lado, se acena com uma MP que concede benefícios fiscais para investir no Brasil e transferir tecnologia. De outro, há preocupação de que não haja um fluxo contínuo e permanente de recursos para financiar esses projetos, que são vultosos”, afirma um empresário do setor.
As Forças Armadas trabalham na elaboração do Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (Paed), que contemplará projetos e prioridades das três forças em um horizonte de 20 anos, até 2031. A expectativa é de que em dois meses esse relatório possa estar pronto, segundo o general José Carlos de Nardi, chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. A prioridade dos investimentos será a defesa da Amazônia, das fronteiras brasileiras e da chamada Amazônia Azul. Estima-se no mercado que os investimentos em 20 anos possam superar R$ 100 bilhões.
Os investimentos em tecnologia militar podem ter grande impacto na sociedade civil, aponta Brustolin. O avião a jato e a internet são inovações desenvolvidas por militares que hoje são amplamente utilizadas por bilhões de pessoas. “Certamente a trajetória do Brasil é bastante diferente da dos Estados Unidos, no entanto, há importantes lições a serem aprendidas com os americanos que podem ser adaptadas às políticas públicas de inovação brasileiras”, afirma o pesquisador. Para ele, essa consideração baseia-se no fato de que o acompanhamento histórico dos gastos militares no Brasil demonstra os sucessivos cortes em investimentos e custeio, bem como a descontinuidade de programas científicos-tecnológicos, ao contrário do que ocorre nos EUA.
FONTE: Valor Econômico – 27/02/2012

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