Operações de repressão são realizadas na linha da fronteira em tempo integral
Por Roberto Godoy
Dia quente, um pouco nublado. E, de repente, um baita susto: ao lado do avião monomotor vindo da Bolívia estava um caça leve Super Tucano, o A-29 da Força Aérea, exibindo suas metralhadoras .50 e exigindo informações. O boliviano voava a apenas 500 metros, ignorou a mensagem e iniciou uma manobra de fuga em direção à fronteira. Recebeu ordem para pousar na cidade de Cacoal, Rondônia. Não atendeu, baixou para escassos 100 metros e continuou tentando escapar. Era um bandido – na definição dos caçadores.
Foi então que o piloto da FAB disparou um tiro à sua frente. Foi o suficiente para tornar cooperativo o invasor, que passou a responder aos contatos por rádio e a cumprir ordens. Todavia, não completamente. Embora sob escolta dos Super Tucanos, o piloto subitamente precipitou a aterrissagem numa estrada de Izidrolândia, um distrito rural. As aeronaves militares permaneceram vigiando a área para evitar uma decolagem até a chegada da polícia. Dois dias depois, os dois bolivianos que estavam a bordo do monomotor foram presos pela Polícia Federal em Pimenta Bueno.
O bandido não teve chance em nenhum momento – desde a entrada no espaço aéreo brasileiro, estava sendo monitorado por um grande jato radar R-99 do Esquadrão Guardião, de Anápolis. O olho digital, um sistema Erieye, pode acompanhar 300 alvos a qualquer altitude num raio de 350 km e lançar os caças no encalço dos clandestinos, não identificados.
O avião apreendido transportava 176 quilos de pasta base de cocaína, coisa de R$ 400 mil. O destino da droga era o Rio. Depois de refinada, a Europa.
A façanha foi comemorada com festa na Base Aérea de Porto Velho, onde está o Esquadrão Grifo, de onde decolaram os aviões de combate.
Esse tipo de operação virou padrão na FAB há cerca de quatro anos. O protocolo é flexível, mas funciona assim: a inteligência da Policia Federal detecta um foco de origem de rotas de entrega de drogas, armas e componentes eletrônicos e, em seguida, passa a informação para a Aeronáutica; por meio do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), medidas são tomadas para vigiar o espaço indicado com radares fixos e móveis. O Comdraba mobiliza recursos antiaéreos do Exército e da Marinha. No ar, o contrabandista é perseguido até seu destino, quase sempre um terminal de pouco movimento no interior de São Paulo. Sob risco de perder a presa, o procedimento muda e pode chegar até ao limite do abate da aeronave sob suspeita, passando antes por várias etapas. Isso nunca foi necessário.
Ameaças. Além da vertente de glamour e sofisticação, o episódio carrega um lado sombrio do qual o Comando da Aeronáutica evita tratar: vários pilotos envolvidos nas ações foram ameaçados por traficantes. O Estado conversou com dois deles em diferentes bases da FAB.
Em ambos os casos, a tentativa de intimidação veio pelo telefone pessoal. Os chamados citavam locais frequentados pelos militares e recomendavam cuidado. Houve outras ocorrências, mas o número, confidencial, é considerado pequeno por um oficial superior da área, “irrelevante se comparado com o registrado contra os agentes federais”.
Nada mudou na vida dos militares, a não ser, talvez, por conta de uma providência sutil. Uma norma antiga, a de que pilotos de caça não devem ser identificados ou fotografados, passou a ser observada com certo rigor. Todas as unidades subordinadas ao Comdabra podem ser acionadas para missões de interceptação. Entretanto, os Esquadrões Flecha, de Campo Grande (MS), Grifo, de Porto Velho (RO), e Escorpião, de Boa Vista (RR), equipados com o A-29 Super Tucano, da Embraer, são ativados com maior frequência.
Todos os três mantêm um certo número de A-29 armados, prontos para a decolagem de alerta em, no máximo, 10 minutos – 24 horas por dia. Estima-se que 70% dos voos do tráfico começam em algum ponto dos 1.750 quilômetros de fronteira seca, no limite oeste do País. O comando determina o lançamento dos aviões, quase sempre uma aeronave isolada.O procedimento é o de alerta – o piloto tem 3 minutos para chegar ao avião, mais três para entrar no cockpit e quatro para decolar. A tarefa ele só conhecerá quando estiver no ar, acelerando a 500 km/hora.
Instrução. A bordo do avião de US$ 9 milhões estará um oficial sob as ordens de um tenente-coronel. Com idade média de 41 anos, ele chefia um grupo de 145 militares. Os aviadores são jovens, todos na faixa dos 23 anos, entre os quais mulheres.
Para chegar ao Super Tucano, os pilotos passam pela Academia da Força Aérea, em Pirassununga (SP). e depois pelos centros de formação especializada em Natal e Fortaleza. Nos esquadrões operacionais, são de três a quatro anos treinando ataque ao solo, combate aéreo, o uso do capacete com sistema de visão noturna e o captador de imagens térmicas.
Da chegada à primeira escola até o assento de um dos supersônicos Mirage 2000C/D, F-5M ou do bombardeiro AMX, cada aviador vai custar até US$ 2,5 milhões.
O contingenciamento orçamentário afeta pouco a instrução. A hora de voo do Super Tucano é barata, não sai por mais que R$ 1,5 mil.
FONTE: Estadão / FOTOS: Silva Lopes-FABCriminosos simulam pane para despistar
‘Aeronave interceptada: por ordem da Defesa Aérea deverá pousar imediatamente e passar à frequência de rádio 121.5.’ A voz no sistema de rádio pode ser, surpreendentemente, de uma mulher – nos esquadrões da FAB há várias delas em formação como pilotos de combate.O sentido da ordem é reforçado por um cartaz fixado na cobertura transparente da cabine. Mantido o silêncio e a desobediência, começa uma escalada que pode chegar ao abate a tiros do avião interceptado. O Super Tucano, da Embraer, voa a 550 km/hora, leva duas metralhadoras .50 e até 1,5 tonelada de bombas, foguetes e mísseis. Em patrulha longa, pode permanecer 7 horas no ar.Alertas. Todos os dias, várias vezes, o alerta dispara nas bases do Comdabra. De sete a nove desses acionamentos acabam sendo missões reais. Quase sempre, envolvem pilotos particulares sem orientação, vítimas de pane nos equipamentos de bordo.Esse tipo de falha, por vezes, é usado para encobrir o voo clandestino. Foi assim em abril, quando um avião vindo do Paraguai, usando matrícula falsa, alegou defeito no rádio e desorientação na navegação. Além dos pilotos, havia três passageiros a bordo.O voo terminou em Lucélia, no interior de São Paulo, onde o avião era esperado pela Polícia Federal, orientada pela FAB. A bordo. os agentes encontraram 291 quilos de maconha e outros 180 de cocaína. / R.G.
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